
“Nos Diários de Criação concentro as ideias que começam a aparecer, em um fluxo cada vez maior. Ali, o que penso e sinto não chega com precisão ao que registro e aquilo que registro não necessariamente chega à obra, mas conduz a ela. A criação solicita do criador uma série de esforços e decisões que o permitam caminhar desde aquilo que inicialmente é intenção, para finalmente alcançar a realização do ato: a obra que se sustenta sozinha. A trajetória traçada entre recusas, sofrimentos e escolhas práticas aponta ao mesmo tempo para o que está na ordem do inconsciente e o que reside no campo da objetividade. Como um pêndulo que oscila entre a intenção e a realização. Este pêndulo é como a consciência do criador, entre o que pretendia realizar e o que efetivamente realizou, entre o que permanece inexpressão apesar de intencionado e o que acabou por ser expresso não intencionalmente. A diferença entre um ponto e outro é a inabilidade do artista em expressar sua intenção na integralidade e é também a incapacidade humana de manipular a própria subjetividade a ponto de trazê-la integralmente para o plano da consciência […].

[…] Este instrumento é bastante usual entre criadores para acalentar gesto e pensamento e para cultivar uma rotina continuada de criação, na qual se possa paulatinamente desenvolver a colaboração entre a mão que executa e aquele algo que vaga pelo pensamento, de maneira que se possa caminhar na direção da diminuição da distância entre o que se deseja criar e o que efetivamente se executa. Em um diário de criação explora-se a experimentação com diversos materiais e ferramentas, fragmentos, objetos recolhidos do cotidiano, fotografias, recortes que vão se combinando entre a mancha textual e imagética e o gesto, compondo texturas, padronagens que em seu todo formem um contexto em que não imperam regras que possam tolher a criação. Ao se trabalhar com um diário de criação, alterna-se estratégias intuitivas e racionais, registros que podem parecer aleatórios e serão o resultado de um caminho percorrido ao longo de um processo, tornando-se memória textual, gráfica, imagética e temporal […]

[…] É um instrumento de criação de utilização permanente ou pontual e que reúne códigos que, elencados e combinados ajudam a compor um todo coerente para guiar a criação na arte e no design. Os diários possuem significado material e simbólico: a estética, os sentimentos, as emoções, o imaginário da época e são testemunhos materiais de um processo de criação. Os diários assemelham-se às pranchas iconográficas, pois reúnem códigos que, criados, elencados e combinados a partir das pesquisas iniciais no campo verbal ajudarão a compor um todo coerente para guiar a criação. Possuem significado material, tangível, visual, observado naquilo que concretamente está escrito, colado e desenhado nas páginas. Também encerram um significado simbólico e intangível, observado na estética e nos sentimentos que determinado registro pode suscitar” (CRUZ, 2022, p. 71-72).
