Diários de criação

Diário de criação da pesquisa de mestrado em design e cultura

“Nos Diários de Criação concentro as ideias que começam a aparecer, em um fluxo cada vez maior. Ali, o que penso e sinto não chega com precisão ao que registro e aquilo que registro não necessariamente chega à obra, mas conduz a ela. A criação solicita do criador uma série de esforços e decisões que o permitam caminhar desde aquilo que inicialmente é intenção, para finalmente alcançar a realização do ato: a obra que se sustenta sozinha. A trajetória traçada entre recusas, sofrimentos e escolhas práticas aponta ao mesmo tempo para o que está na ordem do inconsciente e o que reside no campo da objetividade. Como um pêndulo que oscila entre a intenção e a realização. Este pêndulo é como a consciência do criador, entre o que pretendia realizar e o que efetivamente realizou, entre o que permanece inexpressão apesar de intencionado e o que acabou por ser expresso não intencionalmente. A diferença entre um ponto e outro é a inabilidade do artista em expressar sua intenção na integralidade e é também a incapacidade humana de manipular a própria subjetividade a ponto de trazê-la integralmente para o plano da consciência […].

Diário de criação da pesquisa de mestrado em design e cultura

[…] Este instrumento é bastante usual entre criadores para acalentar gesto e pensamento e para cultivar uma rotina continuada de criação, na qual se possa paulatinamente desenvolver a colaboração entre a mão que executa e aquele algo que vaga pelo pensamento, de maneira que se possa caminhar na direção da diminuição da distância entre o que se deseja criar e o que efetivamente se executa. Em um diário de criação explora-se a experimentação com diversos materiais e ferramentas, fragmentos, objetos recolhidos do cotidiano, fotografias, recortes que vão se combinando entre a mancha textual e imagética e o gesto, compondo texturas, padronagens que em seu todo formem um contexto em que não imperam regras que possam tolher a criação. Ao se trabalhar com um diário de criação, alterna-se estratégias intuitivas e racionais, registros que podem parecer aleatórios e serão o resultado de um caminho percorrido ao longo de um processo, tornando-se memória textual, gráfica, imagética e temporal […]

Diário de criação da pesquisa de mestrado em design e cultura

[…] É um instrumento de criação de utilização permanente ou pontual e que reúne códigos que, elencados e combinados ajudam a compor um todo coerente para guiar a criação na arte e no design. Os diários possuem significado material e simbólico: a estética, os sentimentos, as emoções, o imaginário da época e são testemunhos materiais de um processo de criação. Os diários assemelham-se às pranchas iconográficas, pois reúnem códigos que, criados, elencados e combinados a partir das pesquisas iniciais no campo verbal ajudarão a compor um todo coerente para guiar a criação. Possuem significado material, tangível, visual, observado naquilo que concretamente está escrito, colado e desenhado nas páginas. Também encerram um significado simbólico e intangível, observado na estética e nos sentimentos que determinado registro pode suscitar” (CRUZ, 2022, p. 71-72).

Diário de criação da pesquisa de mestrado em design e cultura

O caos na criação

“A invenção, é preciso aceitar humildemente, não consiste em criar do nada, mas a partir do caos. Antes de tudo, os materiais devem estar disponíveis – ela é capaz de dar forma a substâncias obscuras e informes, não de trazer à vida a substância em si. Em tudo o quanto concerne à descoberta e à invenção, mesmo o que pertence à imaginação, somos continuamente lembrados da história do ovo de Colombo. A invenção consiste na capacidade de captar as potencialidades de um assunto e no poder de moldar e organizar as ideias por ele sugeridas” (Mary Shelley, 1831).

O primeiro post deste blog não poderia ser diferente. Faço questão de citar este texto que Mary Shelley escreveu quando foi convidada a escrever um relato sobre a origem do romance Frankenstein ou o Prometeu moderno, que iria compor a edição da Standard Novels. A esta altura o romance já era considerado um bestseller e Mary Shelley uma consagrada e controversa escritora. Saber o que ela pensava acerca da criação, desvendar um pouco de sua poética, de como ela deu materialidade ao seu material de trabalho, tem sido essencial na construção da minha própria poética, ainda que nós duas utilizemos de materialidades bem distintas em nossa criação. Ela, a palavra, eu, o papel.

Segundo Mary Shelley, não se cria a partir do nada, mas a partir do caos. Criar é dar forma a substâncias obscuras, é captar as potencialidades de determinado material. Ou seja, uma ideia não surge simplesmente de um vazio absoluto, mas de um caos de materiais a serem ordenados de modo a servirem ao que será contado. Criar é, portanto, um jogo de conhecer, ordenar e reconfigurar peças disponíveis ao corpo criador.